Queria começar dizendo que não me interessa muito o evangelho segundo Aristóteles, ou o evangelho segundo N. T. Wright, ou o evangelho segundo Ross Douthat, nem mesmo o evangelho segundo Peter Thiel. Porém… diante de minha total impotência de reagir ao mundo tal como ele se dá, e na falta de um tapetinho de yoga, vejo-me obrigado a colocar a questão, principalmente depois de assistir a esta entrevista do tech-bilionário Peter Thiel a Ross Douthat para o legacy newspaper The New York Times.
Finda toda uma conversinha preparatória sobre estagnação, sobre como os hippies ganharam (com o fim do projeto Manhattan e o Woodstock), e sobre como, implicitamente, o papel do katechon é conter por um tempo a vinda do anticristo, simbolizado por um sistema totalitário global, representado por um só governo sobre a face da terra, em que algum órgão como as Nações Unidas detém e supervisiona o estoque nuclear mundial, talvez o ponto fulcral seja: pressupondo algum grau de agência humana sobre aquilo que está a nosso alcance, sobre aquilo que realmente depende de nós, bem, o que fazer? Rezar pela aceleração ou pelo aceleracionismo da IA, rezar para que Peter Thiel eleja sucessivos governos para além de Donald J. Trump e J. D. Vance, rezar pela volta da construção de reatores nucleares, temer o estagnacionismo ou a volta ao feudalismo representado por Greta Thunberg, em que tudo é monótono e não há o que fazer, apavorar-se com o prospecto da última temporada de The Good Place? Qual é o ponto, afinal? De novo, o que fazer diante desta realidade que se nos apresenta, se é que é realmente possível fazer algo sem ser um multibilionário do Vale do Silício?
Talvez o discernimento enquanto virtude hermenêutica possa ajudar?
Quer dizer, talvez seja preciso desfazer os nós que perfazem a teia do pensamento de Peter Thiel em sua visão da bíblia hebraica e do novo testamento grego. Talvez apostar que se Deus prefere Jacó a Esaú, a quem odeia no ventre, e se Deus endurece o coração de Faraó, e traz julgamento ao reino do norte de Israel (vencido pelos assírios em 722 a.C.) e ao reino do sul de Judá (vencido pelos babilônios em 586 a.C.), é porque Deus intervém na história, mesmo que se passem centenas de anos do fim do livro de Gênesis para o início do drama de Moisés no resto do Pentateuco, e que, assim como Deus liberta Judá por meio de um ungido, no caso Ciro, o Grande, seremos também libertos no fim da história, sendo a figura do anticristo apenas parte dessas dores de parto, de um parto que já dura sei lá quanto tempo?
Peter Thiel tem razão: não precisamos ser calvinistas no sentido de um certo conformismo e de que um deixa fazer, um laissez-faire, é a resposta, ou a única resposta. Mas esse mesmo deixa rolar, que beira a uma certa licenciosidade por parte dos calvinistas (e aqui talvez seja preciso lembrar das origens do capitalismo segundo o evangelho de Max Weber), é mesmo pior, meu caro Peter Thiel, que seu libertarianismo que põe uma mão-grande na roda da Fortuna? Como sugere Ross Douthat, não será que o fundador da Palantir está ele mesmo nos levando ao precipício da distopia ou do anticristo? Será o libertarianismo radical a única resposta que Thiel aprendeu de René Girard? Será por isso que ele patrocinava, por meio de sua fundação Imitatio, a tradução das obras de René Girard e uma biblioteca girardiana por meio da É Realizações? Mas por mais genial ou genioso que ele pareça ser, nem sei se chegou a pensar no Brasil, ou em financiar esses trabalhos e essas traduções, as quais, imagino, devem ser primorosas, sem ironia. Mesmo assim atiro a pergunta, porque vivemos na estação de encontrar as perguntas certas.
Enfim, minha única proposta, para variar, é ainda um outro mover-se ad fontes. Temos que nos voltar a, uma vez mais e sempre, ler e estudar a bíblia hebraica e o novo testamento grego sob a condição de que se o faça numa hermenêutica do discernimento, da prudência e do amor. E principalmente do último, porque, entre todos, é o critério mais importante.