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O Exceler Mais Excelente: O Nada do Ato de Ser de Tomás de Aquino

Lendo A existência na filosofia de S. Tomás de Aquino de Étienne Gilson em sua 2a. edição pela editora Madamu, só posso dizer que Tomás está errado em seu discurso sobre o tal ato de ser, porque, bem, Deus está além de “ato”, Deus está além do “ser”, quer se tome ser como verbo ou como substantivo (à la ente). Portanto “ato de ser” não passa de latim macarrônico advindo de um vocabulário grego do ser que já não tinha muito sentido, mesmo em tempos áureos como foram os tempos áticos.

Se de Deus se pode dizer alguma coisa é que sem a noção de Deus não há possibilidade ou “condição de possibilidade” (?) para nem sequer falar (verbo); quanto menos falar de Deus, que é primeiro princípio da racionalidade humana e da racionalidade do mundo, deste mundo-para-o-homem; deste homem-para-o-mundo, visto que o mundo mesmo é a medida do homem como o homem está para a medida sempre antrópica do mundo, nesta falsa dualidade criada por Deus, que só é dualidade enquanto concebida pelo homem, porque criação e criatura são uma e a mesma; o único Outro alheio a ambos, ou alheio a esta unidade intrínseca entre os dois.

E, sim, o homem e o mundo estão alheios a Deus e deste alienados, embora, como dizem os católicos depois de Henri de Lubac, o homem e, acrescento, o mundo são capazes de Deus, seja lá o que isso queira dizer.

Deus, porém, é o primeiro passo, o princípio de todo entendimento e de tudo que o homem pode conceber, ou conceptualizar, e também entender, mesmo que todos estes verbos, atos, ou ações estejam concebidos, ou conceptualizados, e entendidos… ou melhor, compreendidos seja-lá-como-for em Deus e por Deus que não é este vago (e vazio?) ato de ser, cuja essência é “ato puro de ser”, ou “existir”. Em Deus, extrapolando a lição de Gilson, a existência não precede a essência, assim como a essência não precede a existência. Primeiro porque Deus não é homem para ter discussões existencialistas do pós-guerra, e porque este Deus de que Tomás de Aquino fala teológica e filosoficamente ainda não encarnou. Ou talvez a existência de Jesus Cristo, ou do Filho, também sempre fosse sua essência. Não sei.

Porém nada disso, e refiro-me ao tomismo, faz sentido nenhum. Trata-se de uma tralha lexical e pseudo-filosófica que talvez tenha tido utilidade para dar alguma sensação psíquica de certeza pseudo-científica, como se conhecimento fosse, assim como seiscentos ou menos anos depois um tal de materialismo dialético engeliano quis transmitir alguma segurança pseudo-filosófica e também pseudo-científica, como se houvesse alguma realidade ou lógica (mecanicista em ambos os casos) mais profunda do que a mera e simples realidade de que o mundo é o homem e de que o homem é o mundo, porque isto a que se chama “mundo” é uma concepção humana de algo que o homem percebe aparentemente separado de si.

Mas o próprio fato de que o homem percebe “o mundo” mascara sua apercepção e seu espanto consigo mesmo, como se o que ele visse lá fora fosse separado de seu ver-enquanto-vê (ou de seu ato de ver, por que não?), o qual ocorre ao mesmo tempo neste mundo de que o homem “faz parte”, mas, por mais que possa anelar e ansiar pelo contrário, o mundo não se aparta do homem, assim como o homem não se aparta do mundo que é a vida e o viver e o experenciar e o pensar.

O “mundo” separado do homem é apenas o reflexo da retina daquele que se espanta e se assusta e se quer separar de seu próprio reflexo, do qual se apercebe por meio de sua reflexão (aqui quase um verbo, talvez no gerúndio).

Pode-se dizer, assim mesmo, exaustivamente: o mundo é o espelho do homem (ou de sua cognição do mundo pari passu que no mundo?), desde o mesmo instante em que o homem só se concebe ou tem um conceito de si, e só concebe o mundo ou tem um conceito de “mundo” e do mundo nesta ilusão de ótica, ou talvez paralaxe, que o separa de si mesmo no ato de cognição, ou no ato cognitivo, como se este ato o separasse do mundo que ele percebe enquanto ele mesmo é o mundo que ele percebe.

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Deus, enfim, apenas garante que o homem não enlouqueça (pensem na dúvida metódica de Descartes que nunca, talvez por método, permite questionar-se a si mesma, quer dizer, da dúvida duvidar, e que, no fim, acaba clamando por uma ideia extrínseca de (um) Deus; ideia que não poderia ter sido “inventada” ou forjada pelo homem, visto que o significante aponta para um significado que abarca e compreende o homem mesmo que duvida, cruz credo).

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Deus garante que o homem não enlouqueça via de regra, o que nem sempre é o caso. (Não riam, mesmo que eu esteja rindo loucamente!)

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Deus garante que o homem não enlouqueça ao viver nesta sua condição humana de homem jogado no mundo que é o homem narcísico contemplando a si mesmo e sonhando com um Deus que não se sabe muito bem onde está ou aonde foi.

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Não por outra razão, não há maior série de terror e de completo desregramento de tudo do que a pseudo-irônica e pseudo-cômica The Good Place, uma apologia da aniquilação ou do aniquilamento de um homem que esperava, esperou e continua esperando por Alguém que não está lá.

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“Mas você prometeu, Papai!”

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A promessa é uma frustração e só nos resta, pelo menos em The Good Place, a resignação de que todas as possibilidades foram esgotadas, o suicídio teológico era só uma narrativa que durou dois milênios e que em dois mil milênios só nos cabe, ainda segundo a série, o suicídio cósmico do próprio ser humano, cuja filosofia no fim das contas sempre foi vã e o destino vazio, ou o próprio vazio, ou o vazio mesmo, ou o puro ato ou ato puro de vazio.

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Just for fun, pedi ao ChatGPT que escrevesse “um parecer filosófico especificamente a este texto, sendo o mais duro possível” e o robozinho da IA generativa me retornou o que se segue.

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Parecer filosófico crítico ao texto “O Exceler Mais Excelente: O Nada do Ato de Ser de Tomás de Aquino”
Em linguagem dura e veemente, com rigor filosófico


Este texto, na forma em que se apresenta, é um amálgama de má metafísica, retórica confusa e autocomplacente, abuso de jargão e desentendimento flagrante dos fundamentos da metafísica tomista, bem como da tradição filosófica que a informa. Pior do que a negação do “ato de ser” (actus essendi), que já seria filosoficamente insustentável sem argumentação robusta, o autor incorre no erro primário de construir um monólogo de negação destrutiva, sem sequer alcançar a altura do pensamento que pretende refutar.

1. Desconhecimento da tradição tomista

É espantoso que se critique o “ato de ser” tomista sem demonstrar mínima compreensão da estrutura ontológica que ele fundamenta. Tomás de Aquino não propõe o actus essendi como uma categoria meramente linguística ou derivada da tradição grega de modo acrítico. Ao contrário, trata-se da articulação mais madura e poderosa da filosofia do ser no Ocidente. Dizer que é “latim macarrônico” é não apenas superficial, mas intelectualmente desonesto. A crítica parece mais motivada por impaciência ou irritação que por filosofia.

2. Confusão entre categorias e níveis de discurso

O autor escreve como se fosse possível sobrepor proposições teológicas, ontológicas e gnosiológicas de forma indistinta. Deus “não é ato”, “não é ser”, “é além de tudo isso”. Mas este “além” é jamais definido senão por negações vazias. Sem distinguir analogia, univocidade e equivocidade — chaves da linguagem teológica desde Dionísio Areopagita até Tomás —, o autor quer dissolver toda metafísica com piruetas verbais. É como atacar o cálculo diferencial com gritos sobre a infinitude de Deus.

3. Retórica mística imprecisa

A tentativa de estabelecer uma espécie de mística ontológica — na qual homem e mundo são um só, reflexos um do outro, separados apenas por “ilusão de ótica” — é uma colagem vulgar de Heidegger mal compreendido, panteísmo difuso e autopsicologia new age. A dissolução da dualidade homem-mundo pode ter algum valor poético, mas não é filosofia sem definições, distinções e rigor argumentativo. O autor esquece que confundir fusão com unidade é erro de principiante.

4. Agressão gratuita ao discurso filosófico

Chamar a metafísica tomista de “tralha lexical e pseudo-filosófica” é sintoma de quem não entende nem quer entender. A desqualificação sumária, feita sem análise sistemática, revela desprezo pela investigação racional, que é precisamente o que Tomás representa. Em vez de uma crítica filosófica, temos um desabafo mal-humorado de alguém que se sente acima da tradição, sem jamais tê-la compreendido.

5. Misologia disfarçada de iluminação

O autor tenta ridicularizar toda a filosofia, do tomismo ao cartesianismo, insinuando que tudo não passa de delírio ou fuga da loucura. Ao fim, restaria o riso nervoso, a resignação “louca” e o vazio como única verdade. Mas isto não é coragem filosófica; é misologia: o ódio ao logos, o desespero disfarçado de sabedoria. Trata-se de uma rendição prematura e infantil diante do mistério do ser.

6. A vulgarização do trágico

As menções a The Good Place e ao “suicídio cósmico” tentam dar verniz cultural-pop a uma metafísica do niilismo barato. O autor parece fascinado com a imagem do fim de tudo, do esgotamento de todas as promessas, do colapso da razão — mas não oferece qualquer caminho alternativo senão a autocomiseração cósmica. Não é tragédia. É autoindulgência vestida de profundidade.


Conclusão:

Este texto não é um ensaio filosófico. É uma caricatura nervosa e ressentida, escrita com tom de manifesto, mas sem substância crítica. Tomás de Aquino — que enfrentou, organizou e superou Aristóteles, Agostinho, Avicena, Averróis e todo o peso da tradição — mereceria ao menos ser lido com atenção antes de ser julgado com desprezo. O autor não se dá esse trabalho. Seu texto é uma demonstração involuntária daquilo que Tomás sempre buscou combater: o colapso da razão no irracionalismo, o grito onde deveria haver argumentação, o nada onde deveria haver ato.